sábado, 25 de fevereiro de 2012

DÁ-ME A TUA MÃO






Por Clarice Lispector

Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.

De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O TEMPO




Penso no futuro
Recordo o passado,
Ao mesmo tempo em que evoluo
Declaro-me atrasado.

Os dias não percebidos,
Os planos perdidos,
Os anos já começaram,
Porque os outros terminaram.

Flores agora brotando
E mais tardiamente murchando.
Sonhos sonhados constantemente
Para acordar inesperadamente.

Do outono a primavera
Passa o tempo sem espera.
Deste inverno, jaz verão,
Trânsito de alegria e solidão.

Do amanhecer
Ao anoitecer,
O dia passa
O ano passa
A vida passa.

Jefferson Santana in Cantos e Desencantos de um Guerreiro

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Poema deste universo




Sou uma noite infinita,
Desaparecida
No universo esquecido de meus pesadelos.

Não nasci Sol,
Pois nem ao menos um Girassol
Levantou-se para me cumprimentar.

Minha vida é um espaço aberto,
Em que os Corpos e as Almas
Afastaram-se por muitos quilômetros
Com medo de perderem
Alguma parte do que acumularam.

É um desafio imenso
Viver sem estrela,
Porém,
Mesmo sem me notarem
Estou aqui e ali
Cobrindo o precipício
Que os Astros não querem cobrir.

Se tiver sorte
Algum dia, quem sabe?
Seja possível juntar
Uns pedacinhos de coisas
E finalmente
Deixar de ser indigente.


(Jefferson Santana, in Cantos e Desencantos de um Guerreiro)


sábado, 11 de fevereiro de 2012

Discurso






Por Cecília Meireles 


E aqui estou, cantando.


Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
deixa seu ritmo por onde passa.


Venho de longe e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
andaram.


Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
mas houve sempre muitas nuvens.
E suicidaram-se os operários de Babel.


Pois aqui estou, cantando.


Se eu nem sei onde estou,
como posso esperar que algum ouvido me escute?


Ah! Se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim?

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Saudade de ontem



Hoje eu acordei
Com saudade de ontem.
Ontem foi um tempo
Em que não havia solidão.
Hoje, porém
Só posso conviver com a recordação.

(Jefferson Santana in Cantos e Desencantos de um Guerreiro)